Jefferson Lima em Prosa & Verso
"perceberás a maciez por baixo desta pedra... para uns tosca, para outros, preciosa "
Textos

Sobre a Saudade

 

 

Eu amo tudo o que foi
Tudo o que já não é
A dor que já me não dói
A antiga e errônea fé
O ontem que a dor deixou,
O que deixou alegria
Só porque foi, e voou
E hoje é já outro dia.

 

(Fernando Pessoa)

 

 

E como amo!

 

E como tenho saudades!

 

Trago saudades sem saudosismo. Uma saudade que lembra com carinho de pessoas e momentos, de conversas e comidas, de lugares e histórias.

 

A saudade que mora em mim não deseja voltar a lugar algum; fica satisfeita ao rever fotos ou reler cartas, bilhetes e postais. Reler um poema e lembrar-se do momento que inspirou aqueles versos a deixa em êxtase!

 

Tenho saudade dos tempos de inocência. De quando eu era capaz de me apaixonar, sem vergonha do ridículo; dos tempos em que acreditava nas mesmas promessas não cumpridas e sofria a cada nova desilusão, como se fosse a primeira vez.

 

Sorrindo, lamento os amores platônicos que vi passar sem tomar qualquer iniciativa, por pura insegurança besta e um sentimento de inferioridade idiota. Cada suspiro serviu para inspirar. Amores não vividos são matéria-prima de poeta!

 

Tenho saudade de quem passou, deixou marcas em mim e que, por descuido ou displicência, eu tenha me permitido perder em algum ponto do caminho.

 

Aceito o fato de não ter sido bom o suficiente em algumas situações. Em outras, faltei com a verdade. Certamente, em algum momento, traí a confiança. Sou culpado pelas vezes em que o barulho da minha arrogância e das minhas certezas foi tão alto, a ponto de impedir que eu ouvisse o que tinham a me dizer.

 

Tenho saudade dos que foram porque desejaram ir, ou porque os ventos da existência simplesmente os sopraram para outra direção. Com muito carinho, lembro-me dos que romperam as cortinas da existência e foram envoltos pelo mistério da Eternidade!

 

Tenho boas lembranças dos tempos em que ouvia os discursos dos púlpitos com a ingenuidade de quem está diante do sagrado e desconhece, ou prefere não conhecer, as intenções humanas e profanas por detrás do falar altivo e empostado. Desta época, alguns se mantêm próximos, outros se distanciaram por incompreensão ou incompatibilidade.


Ainda me lembro da coleção de Jorge Amado, de capa vermelha e letras douradas na lombada, que eu via na casa de um tio da minha mãe e não fazia a mínima ideia do tesouro que estava diante de mim. E que saudades do pão com manteiga, que a tia Efigênia servia no café da tarde! Mais gostoso do que todos os outros. E era só um pão recheado com manteiga e sabor de carinho.

 

Dos lugares que visitei e que provavelmente nunca mais verei, guardo lembranças singelas, com cheiros, gostos e arrepios. Me acompanham as vozes e as músicas de cada local. E é muito bom lembrar dos lugares aos quais eu não pretendo retornar, pois sei que as mesmas sensações não estarão à minha espera.

 

Por este motivo, ignoro as propostas para reunir a turma de formandos de 1997. Considero impossível reunir as mesmas pessoas num evento, elas não existem mais. Seríamos todos um monte de estranhos, arranhando as imagens tatuadas na memória.

 

Tenho saudade da minha filha. Saudade do muito desejado e do pouco vivido. A dor que me rasgou em versos úmidos, até sublimar numa saudade suave como as suas mãozinhas, ainda insiste em dar sinais!

 

Lágrimas teimosas rolam ao som de um saxofone, ora suave, ora rasgado. Saudade que bate e se conforma na convicção da eternidade; por vezes se dissolve, na certeza de que nada foi em vão e que toda vivência valeu a pena.

 

Não sei explicar, mas às vezes tenho saudade de mim.

 

Texto escrito para a coluna A Poética do Olhar, do blog Bendita Existência (www.benditaexistencia.com.br).

(Imagem: Arquivo pessoal)

Jefferson Lima
Enviado por Jefferson Lima em 18/08/2024
Alterado em 26/10/2024
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