Papo de Barbearia e Afins
Depois de quatro anos, voltei à barbearia.
Desde o início da fatídica pandemia da Covid-19, eu havia abandonado completamente o hábito de cortar os cabelos em um salão. Inicialmente, foi por pânico de contrair ou transmitir uma doença para a qual não havia um único remédio ou vacina. Ainda mais sendo casado com uma mulher que atua na área de saúde e que era obrigada a sair de casa dia sim, dia não, para enfrentar o invisível e desconhecido.
Trabalhei em home office por quase três anos e neste período reconfigurei os meus hábitos, a começar pela compra de uma boa máquina para substituir as mãos de um barbeiro. Assumi a careca e confesso que gostei muito de sentir o vento refrescando minha cabeça. Um amigo me disse que cabeça pelada é viciante. Ele não mentiu. A sensação é ótima!
Depois de três anos, já de volta ao trabalho, eu deixei os cabelos crescerem por oito meses seguidos. Fui a uma trancista e mudei radicalmente o meu visual durante um período. Acho que precisava disto para me sentir vivo, revigorado.
Ufa! Que alívio! Se sentir vivo depois de um período de medo e incertezas é de uma sensação inexplicável!
Há poucas semanas decidi retomar o corte clássico, retornando então à barbearia. Lá trabalham quatro profissionais num ambiente agradável e bem decorado, onde se pode tomar uma água ou uma cerveja gelada enquanto aguardamos a nossa vez.
Fui atendido por um cabelereiro atencioso, simpático, perfeito no seu ofício e bastante falador. E foi este último adjetivo que pesou na minha avaliação.
Findas as apresentações iniciais e os acordos em relação ao corte a ser executado, ele me perguntou se eu estava empolgado com a atual Seleção Brasileira. Tudo bem, não sou fã de futebol, mas sou relativamente bem-informado e consigo levar uma conversa sobre o tema sem problema algum. Sabendo que nem os torcedores mais fanáticos estão empolgados com a seleção, respondi com a pergunta: Tem alguém empolgado com a seleção no atual momento? Rimos, tecemos mais alguns comentários sobre e o assunto CBF morreu, como sinal de que, nem numa barbearia, a tal seleção está justificando que se perca o tempo falando dela.
Em menos de cinco minutos ele sacou outra pergunta: O senhor gosta de política? Está sempre acompanhando? Eu, que realmente sou um entusiasta das questões políticas, respondi que sim, que acompanho até mais do que gostaria, já prevendo que a conversa não tomaria um rumo agradável. E não deu outra.
Ele logo começou a panfletar sobre um determinado político, como se do dia para a noite houvesse surgido um “salvador” para a nossa tão desvalida pátria. Educadamente, opinei em relação à tal pessoa, sobre a qual eu não tenho uma única referência positiva sequer. Acrescentei que tenho uma ideologia política bem definida, sem, no entanto, ter um nome a defender, pois não gosto de cair nesta armadilha de defender nomes ardorosamente, mesmo porque o nosso regime de organização política não permite que o poder esteja nas mãos de uma pessoa e, sendo assim, todas as decisões passam por consensos, negociações e negociatas, e são justamente as negociatas que levam a melhor nas discussões. Infelizmente, neste jogo não há inocentes.
Pela cara de 'não gostei da resposta', entendi que o assunto estava encerrado e eu gozaria do melhor silêncio até o fim do corte. No entanto, para a minha surpresa, ele não se deu por vencido e tentou mais uma cartada para me converter às ideias do seu político. Antes que eu concluísse alguma música que estivesse cantarolando mentalmente, lá veio o bendito, de novo, com sua pregação. Desta vez eu preferi não gastar argumentos. Deixei que, além do corte, ele apresentasse o seu monólogo, sem interrupções, sem perguntas, sem contrapontos, sem exclamações ou interjeições, até que ele percebesse o meu grito de silêncio e resolvesse me acompanhar.
E não é que deu certo? Por pouco tempo. Pois entre uma tesourada e outra, ele ainda me contou algumas das suas peripécias com “as minas” que anda pegando desde que chegou a Minas Gerais, vindo de outro estado do Sudeste. Estes “casos” foram recheados de frases machistas, misóginas e indelicadas, de quem se acha o macho alpha supremo.
Sem comentários...
Tal episódio me leva a refletir sobre o quão importante são os treinamentos de atendimento ao público para os prestadores de serviços. Nada se sabe sobre a pessoa que está do outro lado; quais são as suas ideias, suas convicções, suas preferências, suas tendências, suas crenças, seus conflitos internos.
É importante que, querendo estabelecer um diálogo, o prestador de serviços procure assuntos amenos, que não gere conflitos, e daí possa sentir se o clima é favorável para uma conversa mais acalorada ou não.
Perceberá se o cliente não gosta muito de falar ou se não está num bom dia. Talvez até encontre ali alguém super disposto a conversar e trocar ideias. Poderá ainda estar diante de alguém que espera apenas uma chance para desabafar, sem, no entanto, querer opiniões. Por fim, pode até ser que encontre um bom debatedor, que esteja mesmo com muita vontade de ter um momento de debate. Mas cada um deve ser respeitado na sua individualidade.
Fui embora, certo que vou ter que procurar um novo salão para esta minha nova fase.
Texto escrito para a coluna A Poética do Olhar, do blog Bendita Existência (www.benditaexistencia.com.br).
Imagem: diaonline.ig.com.br