Da Janela
Quem é a mulher preta que, todas as noites, passa sob a minha janela e sobe a rua no sentido da favela que fica lá no final do bairro? Por que uma mulher tão comum, como tantas outras que passam, me atrai a atenção? Não compreendo, no entanto não consigo deixar de perceber esta mulher, sempre trajando roupas simples e que, na maioria dos dias, traz um lenço na cabeça, em outros, dispensa o acessório.
Tem algo naqueles olhos. Ela não é como os outros transeuntes. Há um quê mais profundo naquele jeito de olhar coisas e pessoas, parece que os lê, que os registra. Existe uma imponência no seu jeito que faz esta mulher simples se destacar no meio da multidão. Ela sabe não apenas aonde vai, mas sabe aonde quer ir e porque vai.
Depois de trancar o portão, pego alguma coisa pra beber e me debruço na janela que dá para a rua. Ali fico olhando o movimento dos que retornam pra casa, após mais um dia de trabalho, para um breve descanso, já que a maioria dessas pessoas descerão a mesma rua antes que o sol dê as caras por essas bandas.
Entre murmúrios inaudíveis, um grito aqui ou acolá, buzinas de motos e automóveis e as bicicletas, que se arriscam nessa loucura do fim do dia, lá vem ela! Confesso que já fico a esperar.
Todas as noites, com alguma bebida, eu paro para observar o movimento. Todas as noites eu a vejo, em algumas ela também me vê e, de uns tempos pra cá, nos cumprimentamos com um aceno.
Ela segue seu caminho. Minha mulher me avisa que o jantar está servido.
Imagem: brasildefato.com.br