Ladeira Acima
Lembro de quando, todos os dias, eu descia pela rua da minha casa às seis da manhã, com a mochila nas costas, vestindo o uniforme da metalúrgica, calçando a botina de trabalho e o semblante grave de quem sabe e se preocupa com as suas responsabilidades. Com olhar altivo e voz imponente, sempre desejei um bom dia às pessoas da vizinhança. Tentava demonstrar no sorriso discreto o prazer pela vida que levava.
Na praça central, esperava algo entre cinco e oito minutos pela chegada do ônibus da empresa, que me levaria ao trabalho. Trabalhava com dedicação e esmero, o que não pode ser confundido com uma vida plenamente feliz e realizada, uma vez que só aceitava o salário defasado pelo bem do casal de filhos ainda pequenos, que dependiam, sobretudo, do plano de saúde e de outros benefícios que a empresa concedia.
Um cidadão de bem, que até então acreditava que só não estava mais bem posicionado na pirâmide social porque me faltaram oportunidades na vida, mesmo tendo concluído uma graduação em exatas e outra em humanas. Entretanto, grato aos céus por ter constituído uma família e pelo respeito que conquistei perante os parentes e amigos, mesmo sabendo que admiração e tapinhas nas costas não pagam as contas.
Sendo bastante comunicativo, aos poucos fui percebendo que eu poderia ser um bom propagador de ideias e, de certo modo, um influenciador dentro do meu círculo de convívio. Alguns me rotulavam de panfleteiro, pelo modo com pregava as minhas convicções. Mesmo sabendo do tom pejorativo da brincadeira, aproveitei da fama que o rótulo me trazia e dei o primeiro passo para fazer a diferença no meu ambiente de trabalho. Por isso, me envolvi com os movimentos dos trabalhadores, desde a Comissão Interna de Prevenção de Acidentes, à brigada de incêndios, às pequenas sugestões levadas aos diversos comitês e ao sindicato da categoria, até, finalmente, entrar para o sindicato e me tornar um dos mais ferrenhos representantes dos empregados contra a entidade patronal.
Também me envolvi com as questões da minha comunidade, através da associação do bairro, da qual me tornei uma espécie de porta-voz que, junto com o presidente, ia bater na porta dos vereadores e do prefeito para apresentar nossas reivindicações.
Empolgado com a minha capacidade de falar em público e convencer pessoas, percebi que eu poderia estudar para desenvolver e aprimorar tal dom. Ainda mais sabendo que, pós-sindicato, eu não teria mais lugar na empresa e precisaria buscar outra fonte de sustento.
Comecei lendo alguns gurus famosos que os amigos, os donos de sebos e os bibliotecários da cidade me indicavam. Li desde um dos melhores dos anos 70 e 80, que sempre publicava livros que traziam no título um maior qualquer coisa do mundo, li A Arte da Guerra, de Sun Tzu, e ainda livros sobre monges, executivos, esportistas e empresários, passando por um psicólogo que garantia ter desvendado todos os segredos da mente de Jesus, até chegar na turma que aconselhava simplesmente ligar o foda-se e ser foda o tempo todo.
Me simpatizei com a ideia de ser um cara que tem fórmulas prontas para explicar as coisas da vida. Passei a levantar da cama sempre cedo porque li em algum livro que acordar antes do sol é um milagre e aproveitei então para assistir a um coach que sempre entrava ao vivo na internet às 4h59 da manhã, de barba bem-feita e cara de bravo, que garantia que, seguindo os seus conselhos, a minha mente seria destravada.
Aproveitava o tempo livre que tinha na sede do sindicato para me aprimorar cada vez mais no meu mais novo interesse. Estudei programação neurolinguística, hipnose, numerologia, grafologia, astrologia e os benefícios das essências florais aliados à prática da meditação. Busquei saber os fundamentos do nosso panteão religioso, o poder dos cristais, dos sais, das ervas e dos diversos rituais litúrgicos.
Me dediquei a desvendar os mistérios das redes sociais e garimpei seguidores com as minhas fotos de família, registros fazendo pose na academia de musculação, imagens felizes e flyers com frases motivacionais. Assisti a inúmeros youtubers e fui atrás de como produzir conteúdos audiovisuais e divulgar as minhas ideias. Me empenhei para fazer bonito nos vídeos, desde manter uma barba bem-feita e os cabelos bem cortados, usar roupas joviais e elegantes e um vocabulário que, se ainda precisava ser refinado, já era capaz de produzir uma comunicação coesa e inteligível.
Porém, a vida não é tão linear e simples como sonhamos e idealizamos. Alargar os passos para a vida real, ir além das redes sociais, produzir conteúdo na vida e influenciar pessoas além dos pixels de uma tela exige coragem e muita determinação.
No início, contei com a ajuda de amigos que me deram a oportunidade de ir nas escolas para dar pequenas palestras aos formandos do ensino médio, onde eu treinava o uso das muitas frases, anotadas para funcionarem como gatilhos motivacionais, naqueles adolescentes que ainda enfrentariam o ENEM e teriam a faculdade e as incertezas do mercado de trabalho pela frente.
Quando me senti seguro diante dos adolescentes, passei a frequentar as universidades, falando sobre carreira e sucesso profissional para os formandos de graduação. Eu sei que vocês estão se perguntando qual era a minha experiência para me atrever a dar conselhos, eu lhes respondo que quem me ouvia não tinha essa dúvida. A minha capacidade de oratória e os recursos retóricos que havia adquirido até ali garantiam a minha credibilidade.
Aos poucos, os convites foram aumentando e a vida começou a melhorar. Além das escolas e faculdades, passei a frequentar empresas e associações diversas, onde eu sempre teria algo inovador a dizer. Meu filho, já adolescente e fluente no uso das mídias, passou a elaborar powerpoints personalizados para cada uma das minhas apresentações. Fiz cursos para aprimorar as técnicas e ser bem-sucedido diante da plateia, desde a mais segmentada à mais diversificada. Aprendi como me portar em entrevistas para os meios de comunicação, quando, além de falar usando uma boa entonação, as palavras precisam ser poucas e suficientes.
Após um tempo fazendo palestras para leigos e cultos, para pequenas e grandes plateias, a minha retórica estava bem aprimorada. Conseguia sacar exemplos do mundo da literatura, do esporte, da música e do cinema. Para dar maior credibilidade ao meu discurso, buscava também exemplos das minhas vivências pessoais, pequenos testemunhos da minha trajetória, evitando assim usar exemplos clichês dos livros que li. Quando os utilizava, raramente dava a fonte, embrulhando-os dentro das minhas histórias reais ou ficcionais. O meu carisma envolvia as pessoas, promovia dinâmicas, conseguia manter o foco no objetivo mesmo nas interações mais acaloradas e transbordava simpatia, ainda que confrontado. Então, percebi que era hora de dar um passo além e desenvolver o meu método próprio, ou melhor, criar a minha marca, o meu slogan.
Contratei um ghostwriter para produzir o meu livro, para condensar todo o cabedal acumulado até então. O escritor gravou horas e mais horas das minhas palestras e, tendo uma pedra bruta na mão, lapidou com a arte da palavra para que soasse como o livro mais inovador da atualidade. Eu não queria repetir o já famigerado tantos passos para chegar a tal lugar, nem queria usar palavras chulas para chamar a atenção. Eu queria inovar.
O meu público era o povo frustrado. Quando me referia aos decepcionados com a vida, eu estava me dirigindo a todas as pessoas que respiram. Os leitores que eu buscava eram aqueles que, em algum momento da vida, haviam perdido algo. Meu desejo era que todos se vissem como fracassados, afinal, todos perderam em algum momento na vida: um emprego, um amor, um ente querido, o sentido da vida, a esperança. Alguém vendeu o carro para pagar uma dívida, perdeu dinheiro ao comprar algo mais caro na primeira loja, perdeu a promoção no emprego para o colega não tão qualificado, entrou em relacionamentos infrutíferos, viu passar uma oportunidade. Enfim todos, em algum momento, desceram a ladeira da desilusão.
Ladeira abaixo, as pessoas vão fazer terapia, procuram a religião, outros se entregam aos vícios, seja em bebidas, drogas ilícitas ou outras validadas por uma receita médica. Não são poucos os que fecham as portas e janelas e se empanturram de gordura nitrogenada, afundados no sofá da sala, assistindo a insípidos programas da TV.
Chega! Agora é hora de subir. O objetivo, a mensagem central do meu primeiro livro, é levar qualquer um a descobrir com quanta motivação se levanta do ostracismo e segue para fora do poço.
─ Assista às minhas palestras, acompanhe o meu canal e descubra, por você mesmo, como chegar ao topo. Se quiser chegar à planície, venha comigo Ladeira Acima!
A série Ladeira Acima rendeu bons frutos. Foram muitos auditórios lotados, noites de autógrafos, entrevistas e viagens para dentro e fora do país, levando as pessoas a enxergarem o próprio fracasso e convidando-as a subirem as ladeiras de suas vidas. Ladeira Acima no Amor, Ladeira Acima na Carreira, Ladeira Acima na Vida Financeira, Ladeira Acima nas Relações Familiares, Ladeira Acima e Autoaceitação e Ladeira Acima Pisando Sobre os Medos.
Hoje estou velho. Vivo dos royalties da marca que criei. Sou citado por outros que trilham a estrada da autoajuda. Recebi muitos prêmios pelos livros que escrevi. Claro que valeu a pena! Ainda vale.
Agora estou engajado na divulgação do meu novo projeto. O meu ghostwriter está preparando a minha autobiografia: Da Ladeira à Planície ─ uma história de sucesso. Voltei à mídia, às entrevistas e o meu novo lançamento já é aguardado com expectativa por livreiros e palestrantes.
Dediquei um capítulo para dar dicas valiosas aos que precisam aprender a gerenciar o tempo entre vida pessoal, viagens de trabalho, compromissos sociais e a disciplina da escrita.
Reserve já o seu. Me dê a sua mão e suba a ladeira.
Imagem: Gisely Poetry