PEQUENINOS
Olhei desconfiado, lá estava você
Te vi sentado, olhar que nada via
As olheiras profundas revelavam a dor
Das noites insones, dos dias insossos
Das semanas, meses e anos iguais
Mudei o meu caminho
Não queria te olhar
Segui por outra calçada, lá você corria
Te vi agredido, sendo expulso de um templo
Pessoas gritavam e apontavam em sua direção
Suas poucas roupas eram trapos sujos
Sua pele exposta afrontava a hipocrisia
Continuei a minha rota
Não queria me comprometer
Em outras vias, te vi em situações embaraçosas
Mendigando por uma marmita na esquina
Brigando por vaga num pequeno albergue
Enfrentando fundamentalistas num protesto
Estendendo um papelão sob a proteção do viaduto
Voltei para o meu conforto
Impossível te reconhecer
Você se fixou em minha mente
Não consegui esquecer aquele olhar
Procurei a calma no velho Livro Sagrado
Quiçá adormecer ante as letras miúdas e a luz baixa
Então sua voz saltou daquelas páginas finas
Quando fizer a um destes pequeninos
A mim suas mãos estarão estendidas
Todos aqueles rostos passaram por mim
Todas aquelas mãos vieram em minha direção
Todos aqueles rostos eram o seu rosto
Todas aquelas mãos eram as suas mãos
Todas as vezes que os vi, a todos ignorei
Agora sei quem és
Posso descansar
(Imagem: SRzd)