Escrevo...
Por teimosia, por inquietação,
para deixar implodir emoções represadas e paixões latentes.
Por precisar gritar mais alto que o silêncio das quatro da manhã,
para aliviar a insensatez de bater boca com quem não vale a pena.
Escrevo...
Porque quero fazer cócegas com leveza e incomodar com acidez
e para fazer eclodir o riso, a revolta, a corrente marítima dos olhos.
Porque quero que alguém conteste a minha forma de expressar
e para sugerir que, talvez, eu consiga despertar-te algum encanto.
Escrevo...
Para tornar intensas
as cores de um caleidoscópio disforme,
porque a realidade que me cerca
me espreme, suga e arde.
Escrevo...
Porque enquanto um vírus ataca a todos, sem fazer acepção de pessoas,
segregamos e selecionamos quem vai subir na arca.
Porque vejo pessoas adoecendo e choro pelos que morrem perto de mim,
enquanto escrotos politizam e ironizam, sem pudor, nos palácios ou nos botecos.
Escrevo...
Porque na minha estrada as pontes são tortas,
os freios são falhos, o retrovisor é sujo e o condutor, um covarde.
Não raras vezes, caio das minhas estúpidas convicções
e, se não morro, é pela magia do espírito que insiste em prosseguir.
Escrevo...
Porque nos dias felizes, em volta das mesas ou sobre os palcos,
verti muito líquido gelado, palavras quentes, rimas voláteis e olhares penetrantes.
Porque enquanto pessoas, sem norte, temem pelo destino incerto,
eu, sem rumo, tento me orientar por linhas apagadas e letras embaçadas.
Escrevo...
Para abraçar os fantasmas que me levam ao encontro de mim mesmo.
Nessa fuga da realidade, deixo manchar a folha em branco,
imprimindo o meu reflexo, ora obscuro, ora borrado, ora sem cores,
tentando focar o meu olhar que, por vezes, é sensível às luzes contrárias.
Escrevo...
E deixo jogado por aí,
talvez alguém leia...