Como ser indiferente?
Manhã de terça-feira, sol bonito...
Pessoas descem e sobem a passarela do metrô,
os poucos moradores que ainda restam na Vila Itaú
não notam a beleza do céu que saúda o dia, pois estão
a retirar dos barracos seus poucos pertences, enlameados
pela enchente da noite passada.
Como mensurar o sofrimento,
quando este se traduz em medo ao ler o noticiário?
Quem se sente protegido das águas não está livre do perigo,
mas sofre outras aflições e tragédias por muitos ignoradas.
Um barranco atrás da casa, um carro estranho parado na esquina,
a ameaça de sequestro, o decreto de falência por desmandos econômicos,
a rua escura, de frondosas árvores, numa noite quente, após descer do ônibus.
E não sobrevive cada qual com os próprios temores?
Não há um sequer, que não tenha se afligido pela certeza do fim.
E dá-lhe exames preventivos, alimentação natural,
exercícios físicos, técnicas de respiração, meditação.
E gasta-se fortunas nos consórcios de saúde em busca de
algum conforto para amenizar os piores dias
desta vida incerta, doída, mas prazerosa.
Como discernir que somos elos da mesma corrente vital
e que o outro é minha extensão e requer cuidados neste ciclo?
Tenho medo de ser insensível, de não perceber além de mim
ao desempenhar, displicente, o meu papel na vida.
Tenho medo dos meus desejos mesquinhos
e aguerridos em segregar, manipular e tripudiar.
Não tenho medo dos castigos de Deus.
Tenho medo dos demônios.
Sobretudo, dos muitos que me habitam.