Eu queria escrever um poema de amor,
mas como pensar em amor quando a história de Gilmara,
que vive triste por não ser bela conforme os padrões vigentes,
é chamada de inadequada aos jovens? Não é este um conflito dos jovens?
Eu queria escrever um poema de amor,
mas se a vida só não basta e a arte é necessária,
há de se buscar algum motivo para amar quando a mordaça
encerra os lábios sem beijo nem canção.
Eu queria escrever um poema de amor,
mas a sombra que se estende sobre os nossos dias
nos remete a épocas de escuros porões
e à necessidade urgente dos poderes de um Muiraquitã.
Eu queria escrever um poema de amor,
mas o pássaro encantado deixou de viajar, suas penas
perderam a magia das cores e, nos olhos da menina,
não há mais o brilho de quem escuta as melhores histórias.
Eu queria escrever um poema de amor,
mas a violência silenciosa ronda a nossa gente,
trazendo o temor de que a narrativa de Agosto
tenha uma reedição em qualquer outro mês.
Eu queria escrever um poema de amor,
mas eu não tenho cores nem aromas pra versar,
a minha alma chora com a chuva que cai sobre os telhados de Minas,
temerosa que em pouco tempo esses dias sejam memórias póstumas.
* Escrito por ocasião da Secretaria de Educação do Estado de Rondônia ter distribuído, no dia 06 de fevereiro de 2020, uma lista de 42 livros a serem retirados das bibliotecas das escolas de todo o estado. Dada a repercussão do fato, o secretário de educação, Suamy Vivecananda, voltou atrás. O poema faz referência a Carlos Heitor Cony, Ferreira Gullar, Mário de Andrade, Rubem Alves, Rubem Fonseca e Machado de Assis, autores que estão dentre os relacionados na lista.