Num Mês de Dezembro...
Vi as pessoas eufóricas, andando rápido, carregando embrulhos, gritando aos celulares, se acotovelando por espaços cada vez mais reduzidos. Elas não se olhavam nos olhos, não se percebiam, não se falavam.
Ninguém sabia ao certo o que procurava, nem para onde ia, nem a razão de ir.
Inconscientemente, todos obedeciam a um frenesi coletivo que se repetia ano após ano, a cada dezembro, sem nenhum significado concreto que os levasse a refletir sobre os seus atos.
Foi num mês de dezembro...
Por que eu também estava correndo? Por que me resignei a enfrentar filas em escadas rolantes ou esperar a minha vez em portas de elevadores?
Por que me permiti ser rude com quem nunca vi e me julguei merecedor de caprichos insignificantes?
Por que eu também não olhava nos olhos? Para que todas aquelas sacolas nas mãos? Por que num único mês eu pensei precisar de tantas coisas?
Onde foi parar a calma de outros dias?
Num mês de dezembro...
Dizem comemorar o nascimento do Cristo. Mas qual o sentido de tal comemoração? Como deveríamos comemorar a encarnação do Amor? Não seria nos tornando amorosos para com os outros?
Mas o que se vê é um contraste. O que se vê é o egoísmo acima de tudo, é a demonstração de poder por pura vaidade. É a exibição de quem detém o poder ante a perplexidade e a frustração de quem não pode fazer parte do jogo.
Foi num mês de dezembro...
Alguém não estava disposto a se reunir com a sua família nos dias de festa por causa das desavenças que aconteceram ao longo do ano. Os ânimos ficaram exaltados, alguns não estavam se falando e por isto não valia a pena estar com os seus.
Ora, mas não seria justamente o dia em que se comemora a encarnação do Amor o dia mais propício para perdoar e demonstrar que amando todos ficam bem no final?
Seria o orgulho, ou o prazer fugaz de ser irredutível, mais importante do que um abraço, do que comer juntos ou sentar um ao lado do outro e rir de velhas e repetidas histórias?
Foi num mês de dezembro...
Que fizemos tantos happy hours, gastamos mais do que tínhamos - por mera convenção social ou necessidade de estabelecer o networking.
Faltou sinceridade. Nem todos ali se queriam bem. O “feliz natal” não passou de um clichê convencional desta época do ano. Não havia ali um sentimento real de que o amor também podia nascer e transbordar em gestos – de um dezembro a outro. Sem intervalos.
Tantos amigos-secretos revelados com raiva. Se as pessoas agissem de maneira autêntica, jamais entrariam numa loja para investir o seu dinheiro em um presente para aquela cujo nome estava no papel.
Mas nós participamos para manter a tradição, para ser legal, para socializar a hipocrisia. Nem gostamos do que ganhamos, muito menos de quem nos presenteou.
Talvez o meu amigo-secreto tenha sido sincero e demonstrado empatia. E daí?
Durante o ano sou incapaz de perceber o meu próximo quando estou só. Não me preocupo em levar amor, em ser portador de um pouco de compaixão. Não quero abraçar, não quero saber das suas necessidades, muito menos suprí-las. Não quero enxergar além de mim.
E lá se vai o espírito do natal...
Foi num mês de dezembro...
Que vi muita caridade orgulhosa de si mesmo nas redes sociais. Para cada abraço há um click flertando com os likes.
Muita necessidade de mostrar o quanto se é bom, caridoso e cristão. Muita exposição daquele que tem menos para validar a superioridade da mão estendida. Muito abraço ansioso pela hora do banho.
A gente até gosta de visitar asilos, fazer doações em creches, falar poesias e cantar canções emotivas nos albergues. Claro! Só se for junto ao grupo de voluntariado da empresa ou com os irmãos da igreja. Até disputamos os melhores ângulos com os nossos smartphones para fazer registros com "pose de bonzinho" e "cara de santinho".
Foi num mês de dezembro...
Que a dura realidade das ruas passou desapercebida pelos que corriam para entrar na próxima loja.
Não tempos tempo para notar o olhar desesperançado do desempregado que não pôde comprar um presente para o filho pequeno.
Não atentamos para a tristeza do menino que não entende o porquê do seu pai tê-lo abandonado desde o nascimento, se até o menino Jesus, nascido num curral fedorento, tinha um pai ali perto para proteger sua família.
Levar um Papai Noel na festa da comunidade para distribuir brinquedos faz com que os pequenos tenham esperança – “alguém está olhando por nós”!
A criança que recebe um brinquedo merece um alguém que zele pelo seu futuro, que importe com os recursos para o seu crescimento como ser humano. Esta criança espera que algum ser iluminado encare a luta para que ela estude e consiga um emprego no futuro. Só assim valerá a pena acreditar em cada Papai Noel da sua infância.
Os brinquedos serão sempre bem-vindos, mas é preciso levar amor em atos. O ano todo! É necessário levar a escola, o material escolar, as oficinas de esporte, as oficinas de arte, a biblioteca comunitária...
Foi num mês de dezembro...
Que fiquei saturado com os discursos religiosos que falavam em amor mas não refletiam o sentido das palavras. Muito discurso e pouca ação. Jesus é bonito no discurso, mas é duro viver sua mensagem. O Cristo é muito marginal para os nossos valores.
Aonde mais se fala em Deus como sensor moralista da humanidade é onde mais se discrimina, onde menos se vê mãos estendidas.
Nas famílias mais religiosas as diferenças não são compreendidas. As ovelhas negras são facilmente identificadas e segregadas. O preconceito entra na ceia disfarçado de bom senso, bons costumes e valores de família. Ali o amor só vale para os iguais.
Foi num mês de dezembro...
Que o desejo de consumo ignorou a crise, que a hipocrisia sobrepôs o afeto, que o status se tornou mais importante que a essência.
Foi num mês de dezembro...
Que os presépios se tornaram apenas tradição, obras de arte, enfeites natalinos abertos para visitação. Bonecos que contam uma história já por muitos ignorada.
Foi num mês de dezembro...
Tão enfeitado.
Tão cheio de festas.
Tão vazio de significados.
(Imagem: Internet)