Jefferson Lima em Prosa & Verso
"perceberás a maciez por baixo desta pedra... para uns tosca, para outros, preciosa "
Textos
E vem um internauta dizer: por que as igrejas não abrem as portas para os moradores de rua?

E um líder religioso decide argumentar: “as escolas poderiam abrigá-los”. E lança mão de Atos 17, no trecho que diz que Deus não mora em templos feitos por mãos de homens. E este argumento, na sua visão, estaria validado pelo álibi que, se Deus habita o nosso interior, que cada um abrigue um morador de rua ou, usando o Samaritano fora de contexto, sendo possível, terceirize o trabalho.

Sob o impacto de tal leitura, lembro-me do Pastor Adélio - personagem criado pelo humorista Marcos Américo com o objetivo de chamar a atenção para o quanto os “mensageiros de Cristo” se distanciaram da Mensagem. O Pastor Adélio sabiamente diz que “com uma bíblia na mão podemos convencer a qualquer um de qualquer coisa”. E cá penso eu que a prova está debaixo dos meus olhos, já que tentam me provar que mesmo as igrejas não devem abrigar os moradores de rua durante o inverno.

Ora, longe de mim acreditar que Deus habita os templos. Minha fé testifica que o templo a ser habitado são os corações e as mentes humanas, mas não são os templos usados por aqueles que dizem pregar os ensinamentos do Cristo? E não deveriam servir de exemplo, de norte, de guia, de luz para aqueles que estão na escuridão de suas vidas vazias?

E volto aos argumentos do tal líder religioso: “Se você passou e viu seu próximo não sendo atendido pelo pastor e/ou padre e não fez nada, você também agiu como o sacerdote e o levita.”

Onde está a razão que justifique a displicência do pastor / padre / papa / sacerdote / babalorixá / zé ruela qualquer? Usar discurso de transferência de culpa é, no mínimo, atitude canalha de quem não tem o que dizer.

Mas como em toda história há os remanescentes de bom coração, encontro alguns que resolvi citar:

 
Notícia de 05/07/2019, que relata o trabalho realizado em Araraquara por um Centro de Referência com o apoio de outras instituições e também o trabalho feito pela Prefeitura de São Carlos, com apoio da Igreja São João Batista e da Comunidade Missionária Divina Misericórdia. Ambas cidades no Estado de São Paulo.
 
Um trabalho da Prefeitura de Belo Horizonte, MG, que lista todos os pontos de apoio aos moradores de rua, que é intensificado neste período do ano. Aqui há ONG’s, casas de apoio, etc.
 
Na Escócia, uma igreja substitui os bancos por camas durante o inverno. Infelizmente não encontrei notícia semelhando de igrejas no Brasil, mas acredito que neste vasto território, isto aconteça por aí. Não nas grandes denominações, mas nas pequenas comunidades.
 
Em Uberaba, MG, a paróquia da  igreja da Comunidade Nossa Senhora da Alegria também abriu espaço para acolhimento dos moradores de rua.

E assim seguem numerosos exemplos de igrejas, estádios, escolas, centros espíritas, ONG’s, prefeituras, etc. Todos tendo em suas comunidades inúmeros seres humanos que trabalham em prol de outros que não têm o conforto de um teto, uma cama, um cobertor e algo quente para se alimentar e aquecer.

Talvez os líderes religiosos devessem, antes de buscar argumentos, ouvir um pouco de Djavan (É esse o vírus que eu sugiro que você contraia...). Talvez entendessem que espalhar o Evangelho, a Boa Nova, a Boa Notícia, é ajudar a espalhar esse vírus, é converter pelo exemplo. Este movimento pode, sim, começar pelas igrejas e, pelo exemplo, atrair as escolas ao redor, as ONG’s, os Centros Espíritas, as empresas e até mesmo as residências. Por que não?

E não podemos esquecer de completar o refrão do Djavan (... na procura pela cura da loucura quem tiver cabeça dura vai morrer na praia.). Talvez a areia dessa praia onde se morre de sede em frente ao mar não passa da tela de um computador onde se digita asneiras para as redes sociais e perde-se a alma por falta de amor.

Por que as igrejas não abrem as portas para os moradores de rua? Ouso responder ao internauta a partir do meu ponto de vista. Claro, há vários, todos válidos de alguma forma. O que não vale é a omissão. Mas vamos lá...

Ora, as igrejas não abrem suas portas aos moradores de rua porque eles não compõem o público que interessa às igrejas atrair para si. As igrejas só abrem as suas portas àqueles que ela deseja ter no seu rol de membros. E estes, via de regra, não chegam para “aumentar as despesas da igreja”, mas para “fazer crescer as receitas”, como em qualquer empresa. A igreja institucionalizada está interessada no dízimo (dez por cento dos vencimentos mensais) e nas ofertas esporádicas.

Morador de rua quando se converte vai pedir ajuda. Não dá lucro. Dá trabalho. Toma tempo. Não rende. Acolher ao necessitado vai além da sopa no inverno. Ele vai voltar na primavera, no verão e no outono. Dá trabalho pensar e fazer acontecer uma estrutura de reintegração social, de inserção no mercado de trabalho, de assistência à família, de ajuda especializada e talvez até sustento básico por alguns meses.

O indivíduo que chega no fundo do poço pode trazer consigo vícios que não serão abandonados ao calor de um cobertor, nem os seus traumas serão curados numa colherada de sopa quente. Vai demandar amor, boa vontade e gente disposta a repartir Deus através do amor e do serviço para gente ingrata que pode não estar disposta a recebê-lo; muito menos a retribuí-lo.

Acolhimento dá muito trabalho. É melhor deixar para as escolas, para as ONG’s, para as casas, para as associações de bairro, etc.. Por que não? Melhor lançar mão de Atos 17.

Você já deve ter ouvido num templo qualquer numa esquina de qualquer lugar: “trazei os seus dízimos à casa do tesouro”! Esta frase de impacto só vale para a hora da oferta. Na hora do apelo, da eucaristia e do ofertório a “casa do tesouro” e a “casa de Deus” são a mesma coisa. Nessa hora vale o Salmo 122 que diz: alegrei-me quando me disseram, vamos à casa do Senhor.

Essa turma considera a Marcha Pra Jesus, com suas badanas coloridas, seus trios elétricos, suas caravanas de camisetas padronizadas e seus líderes preconceituosos e bajuladores de políticos, o ápice da comunhão a ser demonstrada. Já pensou se aquele investimento fosse transformado em um movimento para ação social? Se cada badulaque fosse substituído por um abraço e uma palavra de amor?

Talvez, caro internauta, todo esse blá-blá-blá esteja muito aquém da resposta para a sua pergunta. O que acontece, de verdade, para que as igrejas não abram as suas portas é que o discurso de Jesus, o Cristo, está ultrapassado. Não traz vantagens. Não beneficia ao “esquema”.

Também creio que Deus não habita os templos humanos, mas é uma pena que os humanos corações que habitam os templos deixam Deus do lado de fora quando adentram suas frias paredes.

Mas estamos sempre de mudança... e acredito em metanoia!
 
Imagem: “Jesus sem-teto”, um sem-teto deitado em um banco de praça com um cobertor fino sobre o corpo, do artista canadense Timothy Schmalz doado a Arquidiocese do Rio de Janeiro e ficará exposta na praça em frente à Catedral de São Sebastião, em alusão aos mais de 4,6 mil pessoas em situação de rua da capital fluminense.
Jefferson Lima
Enviado por Jefferson Lima em 10/07/2019
Alterado em 10/07/2019
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