No ônibus das cinco e meia
viaja gente de todo jeito:
Trabalhadores que labutam
por sonhos, contas e comida,
estudantes que trazem
hormônios, ideias e ilusões,
pessoas comuns que seguem
para consultas, exames, entrevistas de emprego.
Alguns vão cochilando,
outros lendo ou ouvindo música.
Alguns conversam sobre política, futebol,
ou sobre a novela e os problemas da vida.
É tudo gente simples, que vive simples,
pensa simples, mas não sofre simples.
Gente que gosta das coisas simples
e olha a vida sem complicações.
Essa gente que pega o ônibus das cinco e meia
acredita em fake news e nas brigas das redes sociais.
Não gosta de Cláudia Leite por ser fã de Ivete Sangalo,
mas é fã do Luciano Hulk porque ele reforma carros e casas.
Na sua maioria, é gente preta, pobre,
de pouco estudo e muita vivência,
gente que vai à farmácia popular e não
encontra todos os remédios da receita.
Gente que faz supletivo
pra recuperar o tempo perdido
ou se emociona ao conhecer
as primeiras letras numa turma do EJA.
Gente que tira “xerox” de apostilas
pelo sonho de passar no concurso público.
Gente que busca o mínimo de conhecimento, na
esperança que seja o suficiente para minimizar o caos.
No busão matinal vão alguns estudantes
com suas mochilas pesadas e fones coloridos nos ouvidos,
sonhando em superar a vida medíocre de seus pais
para que tenham uma velhice digna.
Ao mesmo tempo, buscam condições que
lhes propicie realizar alguns sonhos nesta vida,
pois sabem que, até mesmo na música ou no futebol,
a peneira é de malha fina e, muitas vezes, injusta.
Essa gente que pega o ônibus das cinco e meia da manhã
sabe o que passa a menina com uma gravidez não planejada.
Esse povo conhece na pele as consequências
da criação de um filho sem pai e a qualidade de nossas creches.
Sabe que manter o filho numa escola pública sai caro,
por causa do descaso do poder que insiste em
professores mal pagos, mal preparados e sem estímulo,
numa carreira cada dia mais ingrata.
Esse povo que sai de casa antes do sol e chega com a lua
sabe o preço do feijão, da batata, do gás e do sabão.
Esse povo que faz ‘gato’ de energia, ‘gato’ de TV,
e que cria gatos, vira-latas e galinhas,
deixa de pagar uma conta pra não deixar
o filho sem presente no dia das crianças.
Esse povo sabe que um sorriso e um abraço
são mais preciosos que um nome limpo no SPC.
Essa gente não entende o que está no programa do candidato
e muito menos o porquê das promessas de campanha não serem cumpridas.
Essa gente que elege o melhor ator do Programa Eleitoral Gratuito
vai vender o voto, sim, pra ter comida na mesa e um trabalho qualquer.
Essa gente que pega o ônibus das cinco e meia está cagando e andando
pra bolsa de valores ou para os rumos da política externa.
Eles não querem saber qual o preço cobrado pelo partido de centro-esquerda
para apoiar a proposta do partido da extrema-direita no Congresso Nacional.
Estou falando de gente de fé,
que não sabe como salvar a pátria, mas tenta não perder a alma.
Gente que é explorada pelo pastor da igreja
e, por medo de Deus, dá mais do que tem na carteira.
Estou falando de gente que é feliz com pouco e
tem como valor dormir com a consciência tranquila.
Gente que não entende o que é perder seus direitos,
já que não consegue mensurar quais ainda tem.
Essa gente é feliz dançando forró, funk ou pagode e
se realiza no frango frito com macarrão do almoço de domingo.
Essa gente agradece a Deus porque as crianças terão
gelatina, leite em pó e achocolatado quando chegar a cesta básica.
Essa gente chora com o amor da novela que, como o seu,
chegou ao fim pela traição do galã que não resistiu a um rabo-de-saia.
Essa gente se derrete quando escuta um “eu te amo” e
se perde num abraço até ser arrebatada num beijo quente.
Quem vai para o trabalho às cinco e meia da manhã
e só volta para a família depois das oito da noite,
é feliz quando consegue fazer um bolo, encher balões coloridos,
usar chapeuzinho e soprar língua-de-sogra no aniversário do filho pequeno.
Essa gente gosta é da turma reunida pra ver o time do coração jogar,
gosta da risada escrachada e de gabar-se de ter os filhos no bom caminho.
Essa gente quer celebrar cada conquista suada e ter um ombro pra
chorar as perdas normais que todo mundo tem, uma hora ou outra.
Essa gente quer um Deus que a proteja, quer
uma família que a ame e quer ser bem atendida nos hospitais.
Essa gente quer receber uma aposentadoria digna no quinto dia útil
e quer ser respeitada à medida que vai envelhecendo.
Essa gente do ônibus das cinco e meia da manhã
quer morrer de velhice, bem assistida e rodeada de amor,
quer ir para o céu e descansar de tudo isso,
porque o inferno essa gente já conhece.