Jefferson Lima em Prosa & Verso
"perceberás a maciez por baixo desta pedra... para uns tosca, para outros, preciosa "
Textos

Um Rato na Folia

 

 

Final de mais uma sexta feira na faculdade, todos os alunos saem eufóricos para viajar e aproveitar o carnaval das mais diferentes maneiras.

 

Sem namorado, sem convite para qualquer folia, sem dinheiro para sumir do mapa e ir para um lugar qualquer e sem disposição para retiros espirituais, Bella fazia parte do seleto grupo que aproveitaria a folia at home.

 

Não que fosse um problema ficar em casa. Afinal de contas, era uma oportunidade para descansar, colocar os estudos em dia e curtir a família. Numa fase agitada da vida, Bella precisava relembrar como era prazeroso e divertido ter alguns momentos mais prolongados com as pessoas que moravam consigo na mesma casa – saber o que faziam, como viviam, por onde andavam e o que planejavam.

 

No sábado, tudo caminhava bem para uma grande folia particular na pequena cobertura, ainda mais que, além dos pais, da irmã mais velha e do irmão caçula, alguns primos do interior também vieram para o bloco. Um corre-corre para preparar o tira-gosto, gelar a cerveja, preparar uma playlist animada, enfrentar fila para o banho, procurar uma roupa confortável e fazer a maquiagem para brincar a caráter. Ao final, música alta, casos engraçados, gargalhadas escrachadas e recordações que só vêm à tona nesses momentos ímpares de família reunida.

 

A noite estava perfeita: Bella, amando esse raro e quase inédito momento família, nem sentia falta de estar num baile ou em uma das tantas baladas carnavalescas que bombavam pela cidade afora. Foram dormir alegres, leves e bêbados, como convém a bons foliões depois de algumas garrafas vazias.

 

Já era domingo...

 

E quem poderia imaginar que o melhor batuque da noite ainda estava para começar?

 

Por volta das quatro e meia da manhã, Bella, que já dormia um sono pesado, acordou com um barulhão! Sua mãe estava histérica, dando gritos apavorados, todas as luzes da casa estavam acesas.

 

Pensou que algo muito grave havia acontecido e se levantou, meio sonâmbula, tropeçando e procurando entender sabe lá o quê, enquanto a mãe, com uma vassoura nas mãos, tentava explicar ao seu pai que tinha visto um rato no banheiro. O pai, com os olhos vermelhos de um sono bastante etílico, sem saber se estava acordado ou tendo um pesadelo, tentava racionalizar a possibilidade de um roedor ter subido quatro andares de um prédio: “só pode ser pegadinha de carnaval!” dizia ele.

 

Por fim ele desistiu de entender os caminhos do asqueroso folião e, sem pensar nos motivos que levaram um rato a procurar o seu banheiro para satisfazer suas necessidades, apoderou-se, cheio de pose, da vassoura que estava com a mulher. Fortemente armado, abriu devagar a porta do banheiro para certificar-se da localização exata do monstro ─ pois essa era a proporção que o roedor havia tomado a partir daquele momento. De repente, ele fechou a porta, com os olhos arregalados e disse, para decepção de todos: “acho que não tem jeito de matar o rato, teremos que chamar o Corpo de Bombeiros”.

 

Todos caíram na risada e no deboche.

 

Bella só pensava na vergonha que seria se os bombeiros chegassem com sirene e refletores ligados, cheios de equipamentos de resgate, e constatassem que tudo não passava de um ratinho no banheiro e um homem do tamanho do seu pai tremendo de medo! Ela então deu uma bronca daquelas de curar qualquer ressaca, exigiu que seu pai tomasse postura de homem e enfrentasse o desafio de matar um rato.

 

Depois de tanta humilhação, obrigado a provar quem era o macho alfa da casa, o homem ─ que até então estava escondido em algum cantinho da alma do chefe da família ─ entrou no banheiro com arma, ou melhor, com vassoura em punho, subiu no vaso sanitário e, por mais de cinco minutos, sambou, batucou, repicou a vassoura em todas as quinas, sem ficar devendo a nenhuma passista de escola de samba que, no mesmo momento, desfilava na Afonso Pena.

 

Ali, naqueles menos de 10 metros quadrados, o pai de Bella fez seu próprio carnaval. Terminou o desfile vitorioso, de cueca preta e tênis vermelho, fazendo do rato morto o estandarte de um campeão com nota 10 em todos os quesitos ─ até de coragem, se gabava.

 

Com gostinho de vitória, voltaram para as suas camas, com a certeza de terem uma boa história para contar por muitos carnavais!

 

 

Ilustração: Gisely Poetry

 

 

Jefferson Lima
Enviado por Jefferson Lima em 12/03/2014
Alterado em 09/06/2022
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